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9 de abril de 2021

A Pandemia e o desafio da equidade: de olhos postos na recuperação

A pandemia da Covid-19 alterou a configuração de vida da população mundial e teve um impacto que ultrapassou o causado pelas mais variadas pandemias ao longo da história, seja a nível da saúde pública, da sociedade como da economia.

Leia o artigo de opinião da Diretora Executiva da AFPLP na íntegra aqui.

O papel da indústria farmacêutica

A fase de investigação e desenvolvimento, em que a indústria farmacêutica assumiu naturalmente a liderança, realizou-se num ritmo sem precedentes. Os sucessos da ciência, os testes e as vacinas, foram alcançados com uma rapidez e eficiência excecionais, graças a um processo alicerçado numa postura de colaboração e comunicação. O genoma do vírus foi partilhado de forma transparente e contrariamente ao que possa parecer, a investigação que permitiu a disponibilização das vacinas contra covid-19 não foi feita num ano, mas foi sim o resultado da partilha de resultados de anos, décadas, de investigação de diferentes intervenientes que souberam construir as pontes necessárias para potenciar o conhecimento acumulado.


As falhas: a iniquidade

No entanto, este ambiente de pandemia onde a ciência esteve ao serviço da humanidade, foi ocasião para observar simultaneamente o que de melhor e de pior tem esta mesma humanidade. A pandemia prosperou usando e acentuando as desigualdades sociais, as falhas geopolíticas e o desgaste das instituições públicas. Assim, num mundo onde a prioridade é testar e vacinar ficou claro que a disponibilidade não é sinónimo de acesso.

Tornou-se evidente que a questão de equidade em saúde é uma miragem apesar das mais variadas diligências. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as redes de saúde de todo o mundo já administraram 536 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, mas a distribuição continua bastante desigual, com 76% das doses administradas concentradas em 10 países e 36 países ainda sem iniciar a vacinação. De acordo com os dados em ourworldindata.org, a 29 de março de 2021, a proporção de número total de uma dose de vacina administrada por cada 100 pessoas era de 7,24 no Mundo. No entanto, dentro deste número cabem as disparidades de 27,06 para a América do Norte, 16,07 para a Europa e 0,75 em África.
 
Parece ainda não ter tido eco suficiente a campanha que vem sendo promovida pelo Secretário-Geral da ONU e pelo Diretor Geral da Organização Mundial de Saúde de que ninguém está seguro até que todos sejam seguros.


Vacinas nos países africanos

Os países africanos podem aceder às vacinas COVID-19 de três formas: através da COVAX, através da Equipa de Aquisição de Vacinas da União Africana e através de acordos bilaterais com fabricantes de vacinas. A iniciativa COVAX é um mecanismo internacional inovador que visa acelerar o acesso equitativo a vacinas seguras e eficazes para países de renda baixa. Foi projetado pela OMS, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pela Aliança Global para Vacinas e Imunização (GAVI), em colaboração com vários parceiros internacionais, para permitir o acesso a um amplo e diversificado portfólio de vacinas contra a COVID-19. Até agora, 42 países africanos aderiram à iniciativa COVAX, que assume o fornecimento de até 600 milhões de doses até ao final de 2021. Sendo extremamente relevante, estes números são claramente insuficientes atendendo às recomendações de cariz epidemiológico que situam à volta de 70% o objetivo de cobertura vacinal.

Em Cabo Verde, tal como nos restantes países africanos de língua oficial portuguesa, os problemas de acesso fizeram com que a campanha de vacinação se tenha iniciado quase 3 meses depois dos países mais desenvolvidos. Além disso, urge o reforço, através de outras formas de acesso às vacinas, para que a cobertura vacinal não se fique pelos 20% por ano, previstos pelo Plano de vacinação de Cabo Verde através do programa COVAX.


Vacinas vs vacinação: não são as vacinas que protegem, mas sim a vacinação

Abordada a questão do acesso à vacina, o desafio seguinte é o Plano de Vacinação, a sua implementação e monitorização, refletindo a preparação regulatória, o planeamento da introdução de vacinas, assim como a identificação assertiva da população alvo prioritária, das estratégias de vacinação e de comunicação.

A nível global a vacinação tem posto a descoberto muitas fragilidades dos sistemas de saúde. No entanto, este atraso poderá ser uma vantagem ser for utilizado para precaver problemas como a gestão de todo o processo, desde a cadeia de abastecimento, transporte, cadeia de frio, distribuição, tratamento de resíduos, passando pela formação, monitorização de manifestações adversas pós imunização (MAPI’s) e estratégias de comunicação.

É indispensável uma estratégia de comunicação transparente para promover a necessária adesão à vacinação e combater a desconfiança em relação à segurança das vacinas cujos contornos são pouco claros se é realmente devida à precaução com base em informação científica ou se devida à manipulação mediática de certos factos, o “covidizer”.

 
Para o futuro

A atual pandemia expõe as lacunas dos sistemas nacionais, regionais e globais de preparação e resposta, mas também permite identificar oportunidades para fortalecer os sistemas de saúde. Esta oportunidade poderá ser suportada pela discussão promovida pela OMS para a aprovação de um Tratado Internacional de resposta a Pandemias. De olhos postos numa recuperação pós-covid, sem a pretensão de ser exaustiva, diria que estão entre os desafios futuros, a serem assumidos numa lógica de rede global, a capacidade de produção, o combate à rede de falsificação, a identificação precoce de novas variantes, as alterações às vacinas, a cobertura global, as estratégias de desenvolvimento e … a pandemia não-covid que já demonstra sequelas graves, a nível da saúde, da sociedade e da economia.


Djamila Reis
Diretora Executiva da AFPLP
Praia, 7 de abril de 2021